quinta-feira, 28 de junho de 2012

“O que é notícia aqui é notícia no The New York Times” | João Eça




por Virgínia Andrade, Sofia Greve e Maria Dominguez


Um jornalista com muita história para contar! Esse é João Eça, ex-repórter e hoje editor de Polícia do Jornal Massa!. Formado há pouco mais de dois anos pela Facom, já soma vasta experiência. Durante os cinco anos que esteve na faculdade, circulou por diversos veículos de comunicação. Desde a Rádio Sociedade, onde permaneceu por 2 anos, até o Jornal A TARDE, passando também pelo Itapoãn Online. Depois de formado, trabalhou no site Teia de Notícias e no Jornal da Metrópole, antes de ser admitido como repórter do Massa!, onde está desde setembro de 2010. Por ter entrado na equipe um mês antes de o jornal ser lançado, acompanhou toda a trajetória do Massa!, e pôde percorrer do esporte ao entretenimento até consolidar-se na editoria de Polícia. Hoje, João está satisfeito com seu trabalho e se declara apaixonado pelo projeto do jornal. A única questão que o incomoda é não poder mais ir a rua com tanta frequência em relação a quando era repórter. Por isso, sempre que pode, faz pauta e apura notícia. Para ele, o fundamental para qualquer jornalista é ter “alma de repórter”.

Qual a sua rotina produtiva, desde a hora que chega até a hora que sai da redação?

Pensem bem se vocês querem ser jornalistas, pois nós não paramos! Eu não tenho hora pra entrar nem pra sair. Mesmo que esteja em casa, estou pensando no jornal. Eu sou muito apaixonado pelo que eu faço. Eu chego por volta de 12h, 13h, mas ontem, por exemplo, saí meia noite daqui. A editoria de Polícia não é uma coisa fixa, não temos uma receita pronta. Todo dia é um novo aprendizado e as pautas vêm de onde a gente menos espera, mas também pelos meios tradicionais. Temos repórteres de manhã e de tarde. Apesar de o espaço do Massa! ser bem pequeno a exigência daqui é de apuração mesmo! O repórter sai daqui uma hora e só vai voltar às sete. A apuração é incessante, nunca se esgota. Com o tempo, o Massa! criou muitas fontes em delegacias, e isso não existia antes pois o jornal ainda era muito novo. Então a gente liga para as delegacias e para os contatos policiais. Olhamos sites de notícias. Existem muitos sites que são noticiários policiais. O A TARDE tem, Correio* tem, o Bocão tem. Olhamos sites, vemos televisão, ouvimos o rádio, tudo de uma vez só. As pautas podem vir de qualquer lugar. Os leitores podem também nos informar se presenciarem alguma coisa. As informações chegam de todos os lugares. Mas decidimos o que interessa para nós é: o Massa! é um jornal popular da terceira maior cidade de um país subdesenvolvido, um país de Terceiro Mundo, mas mesmo assim, o que é notícia aqui é notícia no The New York Times. O que interessa ao público são as histórias humanas, como em qualquer jornal do mundo. O leitor quer boas histórias, que tenham emoção e um lado humano.

Hoje o jornal ainda mantém o seu projeto original?

Acho que sim, ele está cumprindo o objetivo do que foi planejado.


E quais são esses objetivos?
O jornal foi lançado para atender as necessidades das classes mais populares, dos bairros populares. Divulgar o que a grande mídia não divulga. Todo dia temos notícias voltadas para esse tipo de público. É a famosa classe C que o pessoal não cansa de falar. São pessoas que têm histórias boas e ruins que não são lembradas de modo que eles não se sentem vistos em nenhum jornal. É um motivo de orgulho para eles serem reconhecidos em um jornal. Todos os dias temos pautas de esportes mostrando o futebol da população, mostramos também serviços e empregos, problemas de bairros populares, questões de segurança. Nem sempre noticiamos coisas negativas, há também reportagens positivas. O papel do Massa! é contar histórias humanas.


Seria então o famoso “dar voz ao povo”?
Essa expressão soa muito populista, mas seria isso sim. O Massa! dá a voz a qualquer pessoa que tenha alguma coisa que queira divulgar. Qualquer coisa que aconteça, principalmente nos bairros populares, nós divulgamos. É um jornal acessível. Temos espaços para denúncias, assim como podemos colocar uma notinha de divulgação de alguém que venda artesanato, por exemplo. Se você for ler, sempre tem espaço.

Então, o real peso desses discursos de “dar ao leitor o que ele quer” e “dar voz ao povo”, difundidos pelo Massa!, na hierarquização das notícias é...?
O povo gosta de se ver no jornal. Aqui na Bahia, nos bairros populares, as pessoas não liam jornais, pois não se viam neles e não tinham notícias do seu interesse. Um cara que mora em Periperi não vai querer comprar um jornal que não fala do bairro dele, que não tenha matérias do seu interesse, que não retrate a sua vida. Hoje, você passa no ponto de ônibus e está todo mundo lendo, virou hábito.

O uso das gírias é uma forma de inserir esse leitor no produto?
Sim. Isso é uma estratégia de aproximar o público a partir do seu modo de falar. As pessoas falam “ônibus” ou “busu”? Isso é assim do rico ao pobre. A gente não inventa nada. Tem várias outras expressões como essa, por exemplo: “Vou sair com minha esposa” ou “vou sair com minha mulher”? Se o povo fala “mulher”, por que colocar no jornal “esposa”? Também tem o “tá barril”. Tem gente que não gosta, mas isso é um risco diário que a gente corre. Só não dá para ser grosseiro, ofensivo. É preciso ter bom senso.

E as cores da editoria? Porque sempre o vermelho e o preto?
Muito antes do lançamento do Massa!, já existia todo o planejamento do jornal. Desde o marketing até a parte gráfica. O repórter só entrou depois, por isso eu digo que sou “pequeno” para poder falar de forma ampla sobre isso. Mas o que a gente ficou sabendo é que houve grupos de estudos com leitores para saber o que eles queriam ver no jornal, inclusive as cores preferidas para cada editoria. Tudo que é feito no Massa! é pensado. É um projeto planejado, tem consultoria.

Como você define a linha editorial do jornal?
(Pensa um pouco) Linha editorial?... Não me façam responder essa pergunta, não... (risos)

Você falou que os policiais também são fontes. Com é a relação entre vocês e a Polícia? Vocês têm acesso aos boletins de ocorrência? Há alguma recomendação?
Tem delegacias que o acesso é mais rápido. A gente chega e tem uma oportunidade maior de falar com o delegado ou o chefe de investigação, que é o policial que coordena a investigação logo abaixo do delegado. Tem alguns policiais que são mais acessíveis, por questão de afinidade mesmo, relação humana. Tem delegados que, por uma série de questões - não gostar da imprensa, ter se chateado com algum jornalista - já generalizam e não dão informações a ninguém. Nesses casos o trabalho é maior. A apuração é mais difícil e o B.O é o passo inicial. A partir dele, se sabe o que aconteceu e quem são os envolvidos para poder ouvi-los. Embora seja obrigação, isso nem sempre é feito no jornalismo policial. As pessoas só ficam com a versão da polícia. Boletim de ocorrência é um documento público. Todos podem ter acesso, apesar de alguns acharem que não.

Quais os critérios de noticiabilidade que vocês priorizam na construção das notícias?
Valorizamos as histórias humanas. Além disso, tem a questão da proximidade com o público. Priorizamos os fatos de Salvador e de algumas cidades do interior da Bahia. O Massa! também prioriza destacar as cidades que temos grande índice de leitores. Assim como o jornal do Rio de Janeiro prioriza os acontecimentos de lá. Mas sempre que podemos, noticiamos acontecimentos nacionais também. Alguns casos ultrapassam fronteiras. Na semana passada, noticiamos a história de um idoso que praticou sexo com uma égua. Pro Massa!, a notícia caiu como uma luva. Noticiamos também a morte de uma criança por uma garota que aprendia a dirigir, mesmo sem habilitação. São histórias humanas. Dizem que a gente explora o sofrimento alheio. Mas não foi a gente que matou, o fato aconteceu. O que sai no jornal é só 1% da violência de Salvador, tudo é um retrato do que acontece. Se você juntar o Correio, Massa! e o A Tarde, Bocão, Na Mira, ainda assim não conseguimos cobrir 5% das misérias que acontece na cidade. É um retrato do que acontece.

Percebemos que vocês valorizam bastante o insólito e as curiosidades.
Quanto mais diferente, melhor. Todo dia tem traficante preso. Mas quando surge uma história dessa, como um idoso que faz sexo com uma égua, todo mundo se interessa em ler, gente de todas as classes sociais. O negócio é o tratamento que a gente dá para as histórias. Tem o lado engraçado da história, mas trouxemos informações também. Ouvimos a opinião da população na rua, um veterinário e um urologista, que explicaram o que é zoofilia e os riscos à saúde. Além do lado pitoresco, vimos ali uma oportunidade de dar informações sobre saúde pública.

Mas por que os outros jornais - Correio*, A TARDE, Tribuna - não noticiaram o acontecimento do idoso e a égua, que chegou a sair na capa do Massa?
Na certa os outros não souberam do acontecimento. Aí é uma pergunta para os outros jornais. Não dá pra saber o lado dos outros. Sei que no Massa! a história foi noticiada pois é curiosa, é humana, desperta a atenção do leitor.





Então é o interesse do público que prevalece aqui?
Conta tudo! Conta o interesse público e o interesse do público. Em nenhum jornal conta apenas o interesse público. Apenas a BBC de Londres que é financiada e pública, então eles podem ir por onde eles querem, sem levar em consideração o lado comercial. Como os jornais são empresas privadas que visam o lucro, há o interesse público e o interesse do público. Na matéria do idoso do jegue, por exemplo, o interesse público está nas informações sobre a saúde pública. O interesse do público será o lado pitoresco do acontecimento. E isso acontece em todos os jornais. Vamos tirar como exemplo Nicole Bahls. Não há interesse público nenhum nas matérias sobre ela, mas todos os veículos de comunicação continuam falando sobre ela. É questão de audiência. Dizem que o Massa! é mais voltado pro ‘povão’ e o A TARDE tem um público mais esclarecido. Mas se você for ver as notícias mais lidas do A TARDE, muitas delas serão sobre o Big Brother. Na Folha de SP também sempre há algo sobre BBB, A Fazenda ou entretenimento entre as mais lidas. No G1, entre as 5 mais lidas outro dia, 2 eram sobre Ângela Bismarck e a sua saída em A Fazenda.

Então vocês valorizam o entretenimento (matérias sobre Nicole Bahls e A Fazenda, por exemplo)?
Não é que a gente valorize, mas a gente não deixa de noticiar.

Sair sempre na capa (100% das contracapas do Massa! no período analisado foram dedicadas ao programa A Fazenda) é valorizar.
Realmente tem que levar em consideração a questão da audiência. Não vamos noticiar tudo que dá audiência, mas algumas coisas sim.  As principais editorias do Massa! são Polícia, Esporte e Entretenimento e todas produzem material que pode ir para a capa.

Você poderia dar algum exemplo de uma notícia que daria audiência, mas vocês não publicariam?
Aí você me pegou (risos).

Colocar sempre uma mulher seminua na capa tem alguma relevância? Observando o jornal, percebemos que no interior não há praticamente nenhuma reportagem sobre ela, há somente uma pequena nota. Como isso se justifica?
As mulheres estão na capa por que chama mais a atenção. As pessoas veem a capa e compram. Jornal popular é assim. Mulher vende. Tem estratégias para as pessoas lerem. Se você não coloca esses assuntos, ninguém vai ler.

Há algum assunto tabu que não pode ser noticiado?
Não, nenhum jornal tem assunto tabu. Todos os temas podem ser noticiados, o negócio é a forma de tratar os acontecimentos. Voltando ao caso do idoso e do jegue, nós poderíamos ter feito um sensacionalismo horrível em cima do acontecimento, poderíamos ter sido grotescos. Mas aí entra em questão o respeito ao público e a forma de tratar um tema. A informação vem em primeiro lugar.

Percebemos que no Massa! os assuntos que você mesmo disse ser de interesse público convergem bastante para os serviços e deixa de tratar temas como política e educação. O jornalismo do Massa! tem convergido para um jornalismo de serviços?
Também temos notícias sobre educação, economia popular, concursos.

Tudo é voltado diretamente para a vida do leitor, então?
Se você for ver o jornal O Globo também é assim. Um tema como a bolsa de valores, que tem de ser estudada durante muitos anos, é um tema complicado, temos que tornar isso mais acessível ao público. O Massa! não tem um público que tem formação escolar completa, eles ainda buscam cada vez mais educação. Qualquer dinheiro que ganhe, esse público se interessa em investir em educação. Logo, se formos tratar da bolsa de valores, não sei se eles se interessariam. Vamos tratar isso de forma que eles entendam. Nossa estratégia é de formação de leitor mesmo. A ideia é fazer com que a partir daqui eles se interessem em ler sobre outros assuntos. E como é que você vai fazer esse povo ler jornal? Falando da vida deles, falando da realidade deles.

É possível dizer que o Massa! é produzido para um público específico? Qual é esse o público? O Correio* diz que os seus leitores são muito variados e estão da classe A à D.
Todo veículo de comunicação tem seu público específico. Essa seria uma pergunta para quem planejou o jornal. Eles informariam com precisão quem é o público do Massa!. Eu posso falar o que eu acho. É uma opinião que não sei se é uma opinião do jornal. O público do Massa! está claro, esse é um jornal voltado às classes populares, não vamos dizer que esse jornal é voltado para a Bahia inteira, entre todas as classes. Mas, claro, isso não impede que todos leiam, até gente da elite. Médicos fazem questão de dar entrevista ao Massa!, pois sabem que aquilo vai interessar e ser útil ao público que necessita de informação. O Massa! é voltado para a classe C, mas não impede que a classe A também leia.

Qual a justificativa para todas as capas do Massa! conterem temas que variam entre violência e entretenimento, além da foto de alguma mulher seminua?
Essa seria uma boa pergunta para o editor chefe. As principais editorias do Massa são Esporte, Entretenimento e Polícia, pelo fato de esse ser um jornal popular. Tem gente que critica o jornal, mas sei que não passam da capa. Tem muita violência, mas todo dia tem matéria sobre serviço, também. A discussão sobre o Massa! é uma discussão sobre o jornalismo inteiro, essa mistura entre jornalismo e entretenimento.

E qual seria a relação entre o jornal ser popular e as editorias carro-chefe serem Entretenimento, Futebol e Polícia?
O jornal tem que ter uma manchete quente para ir para as bancas e vender. Mas é melhor vocês perguntarem ao editor chefe do jornal. Ele poderá dizer que isso é uma estratégia de venda do jornal, pelo pouco que eu posso falar. Falo de forma bem rasteira. No Rio de Janeiro, há jornais que têm cinco capas, uma para cada região.
Qual a sua avaliação sobre o mercado jornalístico de Salvador?
Todo mundo critica o jornalismo, mas toda profissão é difícil. Hoje em dia, só engenheiro está saindo da faculdade e arranjando emprego. A dificuldade do jornalismo é a falta de emprego formal, com carteira assinada. Às vezes, paga muito pouco quando é com carteira. Tem muito trabalho, muita coisa para fazer - assessoria, por exemplo -, mas pouco emprego. O mundo todo está em crise, por isso é preciso aproveitar as oportunidades. Tem que se dedicar, ler bastante, fazer cursos... Mercado tem, mas não é fácil.

O que você pode dizer sobre o Jornalismo que está sendo praticado atualmente?
Outro dia uns estudantes da Jorge Amado me convocaram pra dar uma entrevista. A aluna me disse ‘vou mandar as perguntas por e-mail’. Eu respondi dizendo que se deve evitar a entrevista por e-mail. Eu atendo sem problemas, eu estou disponível. Tem fontes que você realmente não tem possibilidade de falar fisicamente. Mas o ideal é ter o contato físico. O jornalismo de hoje tá ficando cada vez na redação e as entrevistas estão sendo feitas por telefone. Se vocês encontrarem uma matéria ou reportagem mal feita pode ter certeza que foi um problema de má apuração. Ficando na redação você não consegue nada, principalmente na editoria de polícia.

Como você vê o papel do jornalista?
Eu acho o jornalismo uma das profissões mais lindas. Eu sou apaixonado. O jornalismo tem uma função social muito importante. Hoje em dia as pessoas estão querendo cada vez mais informação em menos tempo. Se não tem o jornalista que leve essa informação, as pessoas não têm como saber o que se passa no mundo, na sua cidade ou no seu bairro. Cada vez mais o jornalista tem essa responsabilidade. O público confia nele. O jornalismo também se vale de um caráter de denúncia. Às vezes um filho está há meses querendo internar a mãe no hospital e não tem vaga. Quando ele recorre aos meios de comunicação para denunciar, tem a possibilidade de ser atendido no dia seguinte. Isso é um exemplo mínimo da força que a gente tem. O jornalista tem que ler bastante para ser um bom profissional e ele precisa achar que sabe menos e não ser tão preconceito. Não pode chegar com a opinião formada sobre as coisas. Nossa função é perguntar, ouvir mais as pessoas. Você pode se fechar tanto na sua bolha, tanto naquilo que você acredita que você não dá vez ao outro de te enriquecer. Essa é uma das maravilhas do jornalismo. O trabalho de repórter é muito rico nesse sentido, você entra em contato com os mais diversos tipos de pessoas e histórias.

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